O Jovem Dragão e o Grande Panda passeavam-se na sua vila, pelo mercado ao ar livre, à procura de laranjas, folhas de chá e alguns mantimentos. O Grande Panda tinha feito algumas comunicações para chegar a acordo com um dos próximos Mestres Formidáveis a visitar. E o entusiasmo para a sua próxima viagem tinha crescido nos últimos dias.

– Penso que desta vez devemos ser nós a esperar que o Mestre venha ter connosco – disse o Grande Panda para o seu amigo – Ainda assim, teremos de viajar para o Mar Ventoso do Sul e aguardar por lá.

– O nome não me parece muito convidativo, mas se a paisagem valer a espera, será uma recompensa suficiente – comentou o Jovem Dragão com um sorriso.

Compraram o que precisavam e planearam sair em viagem dali a dois dias. Na manhã combinada, saíram em passo tranquilo em direção ao sul, levando cada um uma sacola com comida.

Os contactos feitos pelo Grande Panda direcionaram-no desta vez para o Mestre Manta, Guardião da Sabedoria da Água. Como este viajava pelos oceanos do planeta, ficara combinado um lugar onde todos se poderiam encontrar: uma vila portuária numa enseada, onde o mar encontrava a terra.

O caminhar até ao destino levou seis dias, tempo esse que levaram a conversar e a contemplar as paisagens. O Grande Panda era um admirador de árvores e fazia gosto em transmitir ao seu amigo os seus conhecimentos sobre o mundo natural. O Jovem Dragão, curioso por natureza, levantava as orelhas para o ouvir e não se inibia em partilhar também aquilo que sabia.

Chegados à vila, procuraram pela casa de um amigo do Grande Panda, o qual concordara em recebê-los durante a sua estada. O seu amigo era um idoso Guaxinim com ar brincalhão; no reencontro, o Grande Panda ofereceu-lhe uma trouxa que carregara cheia de laranjas, como agradecimento por ele os acolher. Sentados no alpendre da casa, puseram a conversa em dia, ao mesmo tempo que iam degustando chá e bolachas.

Ao fim de um dia e meio, quase final da tarde, o Mestre Manta comunicou telepaticamente com o Grande Panda, informando que se aproximava da vila. Convidou-os, por isso, a encontrarem-se com ele na ponta oeste da enseada, no sopé do farol.

O Sol já se punha no horizonte quando o Jovem Dragão e o Grande Panda chegaram ao lugar marcado. O céu estava a ficar rosa e o grande farol pintado com riscas brancas e vermelhas tinha começado a iluminar as águas do mar. Se o Jovem dragão já se tinha admirado com o tamanho da Mestra Elefanta, os seus olhos arregalaram-se em surpresa quando viu o Mestre Manta a emergir à superfície da água. Ele tinha possivelmente duas vezes o tamanho da anterior mestra, em termos de comprimento, embora parte dele ainda permanecia ocultado debaixo da água.

– Saudações amigos! – cumprimentou o Mestre Manta que conseguia falar fora de água – É um gosto poder vir ao vosso encontro.

– Muito te agradecemos por teres viajado até nós – retornou o Grande Panda – Apresento-te o Jovem Dragão de quem te falei – e pôs amigavelmente a sua mão nas costas do amigo, dando-o a conhecer.

Trocaram algumas palavras de cordialidade e falaram sobre aquilo que os juntara ali. Enquanto isso, o Sol cruzara o horizonte e as cores vermelhas do pôr-do-sol davam lugar aos violetas do anoitecer, escurecendo também o azul-esverdeado da água do mar. Por fim, o Mestre Manta sugeriu encontrarem-se novamente ali, na manhã do dia a seguir, para darem início àquilo que seria a sua mentoria para o futuro Rei.

Depois da experiência na Floresta Húmida ter sido completamente diferente daquilo que esperava, o Jovem Dragão estava entusiasmado por descobrir o que aí viria. Ao início da manhã, voltavam a estar os dois amigos junto do farol. Apreciavam o som das ondas a bater nas rochas enquanto esperavam. A brisa soprava leve e o chamamento de Gaivotas pescadoras ouvia-se ao longe.

O Mestre Manta, que não repousara por aquelas bandas durante a noite, contactou o Grande Panda e pediu-lhes para irem ter com ele ao longe, no mar aberto. Contente por poder nadar, o Jovem Dragão convidou o amigo a segurar-se nas suas costas e lançou-se ao mar. Quando estavam perto do lugar indicado, mergulhou totalmente para debaixo de água. Estava curioso em ver o Mestre Manta em todo o seu esplendor. Mas ao contrário dele, o Grande Panda não conseguia permanecer muito tempo debaixo de água, pelo que seria um mergulho rápido.

Raios de luz desciam pela superfície do mar e iluminavam o Mestre Manta que se aproximava, deslizando elegantemente pela água. Movia as suas longas barbatanas peitorais para cima e para baixo, lembrando uma ave a voar em câmara lenta. Na parte de trás do seu corpo havia uma fina cauda que parecia um longo chicote. Depois de avistá-lo, o Jovem Dragão não conseguiu evitar compará-lo com o seu amigo Panda. À semelhança dele, também o Mestre Manta tinha o corpo colorido em preto e branco.

– Bem-vindos – disse-lhes o Mestre Manta, fazendo ecoar o som debaixo de água, indicando-lhes que subissem à superfície, onde então o Jovem Dragão e o Grande Panda puderam saudá-lo de volta.

– Durante esta noite pedi inspiração ao mar e a água falou-me de ti –continuou o Mestre Manta, dirigindo-se para o Jovem Dragão – Deixei-me preencher pela sua sabedoria para compreender o que te posso oferecer. São imensos os ensinamentos que a água possui sobre as nossas emoções: como reconhecê-las e como curá-las. Aquele que me foi pedido para te transmitir não se relaciona com nenhuma emoção em específico, mas sim com aquilo que pode ser considerado o espelho das emoções e dos sentimentos: a empatia. Somos todos seres empáticos e isso não será novo para ti. Reconheço a tua compaixão para com os outros. O que pretendo proporcionar-te é uma oportunidade para elevares essa capacidade de forma que o reconhecimento de ti, dentro dos outros e dos outros dentro de ti, seja natural e intuitivo. E, para isso, o que melhor usar do que a vossa amizade para transmitir esse ensinamento.

Os dois amigos entreolharam-se sorrindo para o Mestre Manta, e acenaram a cabeça em confirmação. Indicou-lhes que subissem para o seu dorso e assim fizeram.

– Jovem Dragão – prosseguiu o Mestre – estou a par da tua aprendizagem sobre a comunicação intuitiva sentida pela ligação com coração. O que pretendo é que dês um passo mais além. Convosco em cima de mim, e usando a reverberação da minha respiração, irei guiar a vibração do vosso campo interior de energia, com a intenção de facilitar a sintonia entre os dois. Deixem-se levar pelo ritmo das ondas e do vento e encontrem-se na empatia de um pelo outro.

O mar fazia jus ao seu nome e, longe da costa, o vento soprava com mais força, sem ser ainda incómodo. A temperatura estava amena e o pelo molhado do corpo era refrescante. Debaixo deles, o Mestre nadava sobre a oscilação das ondas, acrescentando um movimento rítmico constante ao exercício.  Seguiram sentados em cima do Mestre Manta, enquanto trocavam as primeiras palavras.

– Há pouco não terias conseguido mudar para a forma de um animal aquático se quisesses? – Perguntou o Jovem Dragão ao amigo à sua frente.

– Não seria impossível, mas não senti o mesmo entusiasmo em fazê-lo como aquele que senti quando me transformei pela primeira vez numa águia – respondeu o Grande Panda. – E a nossa capacidade de transformação vem da quantidade de energia que sentimos e que colocamos nas nossas intenções. Além disso, a água não é o meu elemento.

– Ah! E qual é o teu elemento?

– Aqueles com os quais sinto um maior sentimento de pertença são a terra e o ar. Dois elementos que costumam estar em posições opostas na ordem elemental e que ao mesmo tempo são complementares um do outro.

– Tal como o Yin e o Yang! E tal como as cores preto e branco que tens na tua pelagem! Parece que o equilíbrio dos opostos já fazia parte da tua natureza – atirou o Jovem Dragão entusiasmado com o pensamento de comparação. – Aliás, nunca soube ao certo como te tornaste Guardião do Equilíbrio.

– Essa é uma história que começa algumas décadas antes de nos conhecermos e muito antes de ter criado raízes na terra que chamo hoje de minha casa. Contei-te que, assim como tu, também eu já fui um forasteiro que chegou à nossa vila, vindo de uma terra no oriente longínquo. Guardei sempre para mim os motivos da minha partida. No entanto estou a sentir que devo partilhar isso contigo neste momento. 

O Jovem Dragão identificou-se com o sentimento de ser um forasteiro, pois ainda sentia que não pertencia completamente à terra onde vivia. Mas fez uma expressão de antecipação, pois estava prestes a ouvir algo sobre o passado do seu amigo que ele ainda não tinha mencionado.

O Grande Panda continuou:

– Quando eu ainda era pequeno houve uma doença infeciosa que se espalhou por todo o território onde vivia. Os mais afetados foram os idosos e os adultos e por cada ano que passou houve muitas vítimas da doença. Muitos dos pequenos ficaram órfãos de pais e, como outros tantos, eu também fiquei sem ninguém para cuidar de mim. O General da vila acolheu-me e cuidou de mim como um membro da sua guarda. Treinou-me na disciplina do corpo, da mente e nas artes marciais.

O Jovem Dragão já tinha assistido ao seu amigo a fazer exercícios físicos orientais para cultivar o bem-estar, mas nunca o tinha visto a lutar. Na sua mente sorriu com a ideia, mas não o demonstrou por lhe parecer inapropriado ao contexto da conversa.

– Com o tempo – prosseguiu o Grande Panda – comecei a perceber que o foco mental e o controlo sobre minha respiração ajudavam no bom funcionamento do meu organismo e do meu sistema imunitário. Apesar disso, chegou um dia em que também fiquei doente.

– Oh! Mas se estás aqui é porque conseguiste curar-te! – exclamou o Jovem Dragão.

– Bem… sim. Fui enviado para um sanatório, com outros doentes também infetados. Cada um com uma sentença sobre a sua vida e com uma probabilidade baixa de escapar. Muitas curas se haviam tentado, sem resultados em mudar a sorte. Durante dias usei tudo o que aprendi sobre o corpo e a mente. Ensinei aos que estavam comigo a mesma disciplina da respiração. E todos colocaram a sua esperança naquilo que era mais uma ajuda que lhes tinha sido mostrada. Alguns não resistiram. Mas ao fim de umas semanas, e para grande espanto de todos, a maioria de nós ainda estava viva. A intenção e a disciplina tinham revertido os efeitos da doença. E ao fim de dois meses estávamos de volta às nossas casas. Podes imaginar o impacto que isto teve em toda a comunidade, o aparecimento de uma forma de cura depois de anos de tristezas e de perdas.

O Grande Panda fez uma pausa, enquanto o seu amigo, em silêncio, o fitava atento. Retomando em seguida.

– Os valores que me foram transmitidos pelo General, sobre a honra e o dever de proteger a todos, impulsionaram-me a ir de localidade em localidade para partilhar os ensinamentos da cura. Ajudei tanto os que precisavam curar-se como aqueles que sem estarem doentes precisavam aprender a manter-se imunes. Ensinei como cultivar o equilíbrio entre o corpo e a mente. E… isso tornou-se o meu ofício. Passados alguns anos, a doença já não existia e eu tinha sido aclamado como o Guardião do Equilíbrio. Aquele que tinha trazido saúde e paz a todo o território.

O Jovem Dragão não resistiu em lhe segurar nas mãos em admiração pelo amigo. Nunca soubera como havia sido a sua infância. Mas a história ainda não tinha terminado e deixou-o continuar.

– Durante esse tempo, entreguei-me tanto a servir os outros que houve uma altura em que comecei a sentir-me vazio. Esquecera-me de mim e da minha saúde mental. A vontade de ajudar todos torna-se uma obrigação, enquanto o prazer em fazê-lo começou a desaparecer. Entendi que os meus ensinamentos já tinham sido transmitidos e que, para meu bem, eu precisaria de partir. Viajei por lugares que me possibilitaram voltar a sentir quem eu era e quando cheguei à nossa vila, a Vila do Centro, senti-me completo e por lá fiquei. Dispus-me a servir como Guardião do Equilíbrio novamente, mas havia uma diferença. Desta vez eu estava mais consciente sobre o meu ser e sobre a importância de manter o meu equilíbrio interno.

O Jovem Dragão sentiu-se tocado pela partilha do Grande Panda. Conseguia vê-lo agora em maior perspetiva. Como se a informação tivesse desbloqueado novas camadas de entendimento que o ajudavam a entender melhor quem o seu amigo era. Não somente isso, mas também se tinha reconhecido um pouco naquela história de vida. Ainda que em contexto diferente, o seu passado também o levou a partir numa busca de si pelo mundo.

– Agradeço-te por teres partilhado algo que para ti era reservado e que tanto me emocionou – comentou o Jovem Dragão. –  Acho que sabias bem que era isto que eu precisava para sentir o nível de empatia que este exercício requer.

O Grande Panda piscou-lhe o olho e sorriu levemente. Era a vez do Jovem Dragão fazer a sua partilha e deu-lhe espaço para que ele se sentisse à vontade.

– Não pude evitar refletir sobre a comparação da minha experiência com a tua e como ela me levou a um caminho semelhante. Eu nasci de um ovo, como sabes, e para os ovos dos dragões é como se o tempo não passasse. Podem esperar muito tempo para eclodirem. No entanto, no lado de fora, a vida continua o seu rumo. Quando eu nasci, não havia mais dragões à minha volta… e a minha família passou a ser toda a aldeia que tinha cuidado do ovo. Eu sentia-me acolhido, contudo também me sentia diferente. Pois não existia ninguém como eu, para que eu o tivesse como exemplo ao crescer. E soube mais tarde, os dragões já não eram muito comuns…. Aliás, havia quem dissesse que não eram muito simpáticos. Somente em crescido eu encontrei dragões de outras terras. Com eles senti um fascínio que eu não conhecia sobre as possibilidades do que eu podia ser. E eram simpáticos! Pelo menos para mim… Mas eu evitei ligar-me a eles e isso apenas agravou o que já estava dentro de mim. Queria ser mais do que aquilo que me fora ensinado a ser e que eu sentia que podia ser. E ao mesmo tempo, tinha receio de assustar ou de desapontar a minha aldeia. Assim, durante alguns anos conformei-me em ser o que esperavam de mim. Condicionado a ser uma pequena parte de quem eu sentia que era. Todos estavam habituados a uma imagem que já não era a minha. E por uma vez ou outra deixei a minha essência mais enérgica e intensa se mostrar, mas nem sempre encontrei aceitação. E assim como tu, formulei a ideia de partir e ir para longe. E ao estar longe já conseguia sentir-me à vontade em expressar a plenitude da minha essência de dragão…. Só que… levei comigo o medo de ser rejeitado e isso fez com que eu não criasse laços nas terras por onde passei. Pensava para mim, se me conhecessem poder-me-iam rejeitar e isso condicionou a minha liberdade de ser. Saltei de terra em terra e tornei-me solitário, como os dragões que outrora encontrei. Por fim, encontrei a Vila do Centro e conheci-te…. Foi então que entendi que aquele que não me aceitava era eu. Julgava-me a mim próprio com base naquilo que poderiam pensar de mim – parou por um momento e fixou os olhos negros profundos do Grande Panda.  – Tenho a certeza que viste através disso quando me conheceste. Não havia nada de julgador em ti e a tua amizade deu-me segurança para ser eu próprio. Confiante em poder partilhar-me e criar laços. E por isso agora eu sinto-me maior. Porque agora sou eu de verdade!

Os dois amigos abraçaram-se com ternura e partilharam o calor um do outro. Entretanto, vento já tinha secado as suas pelagens. O Mestre Manta partilhava com eles a movimentação rítmica do seu corpo. As condições haviam proporcionado aos dois amigos sintonizarem o pulsar do coração um do outro, criando uma ligação de empatia como nunca experimentaram. Depois de se abraçarem, trocaram um olhar de compreensão partilhada e surgiu na mente do Jovem Dragão uma questão:

– Terá sido egoísmo termo-nos afastado de quem cuidava de nós?

O vento tinha-se intensificado, empurrando as ondas com mais força contra eles. A oportunidade de responder foi interrompida por um abanão mais rápido das barbatanas peitorais do Mestre Manta que anunciou logo em seguida:

– Agarrem-se bem! Está na altura de irmos para o fundo.

Num movimento rápido, mergulhou no mar e usou a sua ligação com a água para a movimentar e criar uma esfera de ar por cima do seu dorso que envolvia e protegia os seus passageiros. Como a água não lhes tocava, não sentiram a sua força a puxá-los na descida, apenas os impulsos natatórios do Mestre Manta. Desceram fundo o suficiente até a luz do sol já não ser mais do que um fio de luz. O mar à volta deles ficara escuro, como numa noite de lua em fase minguante. Tudo o que os seus olhos conseguiam ver apresentava-se em tons escuros de azul e negro.

A voz do Mestre Manta reverberou na sua caixa torácica e atravessou o seu dorso podendo-se ouvir. Com a voz mais séria falou diretamente para o Jovem Dragão.

– Escuta-me Jovem Dragão. Proponho-te agora irmos além da comunicação intuitiva e que alinhes o pulsar do teu coração com a tua mente. Encontra o Guardião Panda em ti e poderás comunicar com ele por telepatia…, ou deveria dizer tele-empatia? É o meio que o teu amigo usou para comunicar comigo à distância e também como lhe dei a saber o que deve fazer agora. Usa o coração para te unires a ele e abre espaço para a comunicação dentro da tua mente. Se usares a tua voz, as vibrações irão afetar a estabilidade da bolha de ar. E acho que não quererás sentir a pressão de toda a água que temos por cima de nós. Por isso, faremos silêncio a partir de agora.

O Jovem Dragão precisou de um momento para se estabilizar da descida e de outro para assimilar as instruções. Seria a primeira vez que tentaria. Porém, entendera claramente a mensagem: tinha de sentir-se um reflexo do Grande Panda. Para comunicar telepaticamente era necessário sentir que eram uma só mente. A informação não seria transmitida, mas partilhada simultaneamente. E para conseguir isso, os seus dois corações teriam de pulsar tal como um só. Noutra altura poderia ter sido um desafio. Contudo, não naquele momento em que tinham criado uma ligação profunda. Fechou os olhos e abstraiu-se do silêncio do mar azul-escuro. Sentiu o campo interno de energia do seu coração a expandir-se e a sua perceção a aumentar. Viu-se na sua mente, frente a frente ao seu amigo, como um espelho um do outro. E com o volume de um suspiro ouviu a voz dele pronunciar-se.

 – Tudo aquilo que sentimos é partilhado com quem está à nossa volta – ouviu na sua mente a voz calma do Grande Panda. – As emoções movem muita energia e direcionam a maneira como interagimos com o mundo. O desequilíbrio de um propaga-se e afeta o equilíbrio do outro. Desse modo, egoísmo seria se ao possuirmos esse entendimento não fizéssemos nada para recuperar o nosso equilíbrio interno e parar a propagação do mal-estar. O equilíbrio de um é o equilíbrio de todos e o contrário é igualmente verdadeiro. A escolha de ir embora é uma opção totalmente válida que abre espaço mental, emocional e físico tanto para quem vai, como para quem fica. A ausência impede que se manifestem os padrões que estavam a causar mal-estar; o vazio que surge possibilita a cura, o entendimento e a expansão de todos, se assim for desejado. E só então aparece um novo alinhamento para o equilíbrio de todos poder prosperar.

Ao fim da tarde tinham-se sentado no alpendre da casa do amigo Guaxinim a contar-lhe a aventura que tiveram, relaxando com um pouco de chá e uns gomos de laranja. Para o Jovem Dragão a experiência fora mais intensa. Acedeu a um novo patamar da comunicação e da empatia e estava entusiasmado por mais oportunidades de praticar. Era só uma questão de estar nas condições certas para se manter focado e alguém que conseguisse também comunicar da mesma maneira, como o seu amigo Panda. Após conseguir fazê-lo naquele momento debaixo do mar, o objetivo do exercício ficou concluído. Havia uma linha estreita entre o coração, as emoções e a mente, que ao estar alinhada em coerência produzia uma expansão da perceção e por consequência da comunicação. Era esta a sabedoria que a água tinha para lhe ensinar.

No final, o Mestre Manta ainda guardara mais uma surpresa. Preparara o encontro com a Guardiã da Sabedoria do Ar, a Mestra Libélula, e mostrou-lhes como podiam chegar até ela. Na manhã seguinte apanhariam um barco que os levaria às Ilhas Cálidas, as quais ficavam a dois dias de navegação, algures para oeste. Por fim, despediram-se junto ao farol, prometendo voltarem a encontrar-se novamente.

Os dois amigos deitaram-se cedo nessa noite e quando despertaram ainda era de madrugada. O amigo Guaxinim, que estivera acordado durante a noite, acompanhou-os até ao barco no cais e despediu-se deles, entregando-lhes uma bolsinha com folhas para mascarem durante a viagem. Ficou a ver o barco a desaparecer ao longe no mar, enquanto os primeiros raios de sol subiam o horizonte.

Esta fábula é complementada com duas ilustrações de James Norbury. A ligação ao seu instagram é um convite a descobrir a sua sabedoria zen.

* imagem do cabeçalho: Zilven Junirashi / ZilvenArt