Encantado pela terra que escolheu para viver, o Jovem Dragão foi deixando crescer ali as suas raízes. A sua modesta casa ficava dentro de uma pequena gruta, no cimo de uma colina. Agradou-lhe a particularidade de ser necessário voar para nela poder entrar. Tinha tranquilidade e ficava resguardada de quem passasse por ali a pé.

Com o tempo, depois de conhecer o Grande Panda, e para que o seu amigo o pudesse visitar, o Jovem dragão decidiu construir uma escada com degraus em pedra e amparos talhados em bambu. Deixando, assim, o seu lar mais acessível para ser visitado.

Num dia, o Grande Panda veio visitá-lo e, ao ouvi-lo subir as escadas, correu a dizer-lhe olá. Agora que sabia que o amigo podia mudar de forma e transformar-se numa grande águia, gracejou com ele sobre não precisar de usar sempre as escadas.

O Grande Panda, sobranceiramente, gesticulou com uma das mãos, como que atirando a observação para o lado, e respondeu trocista:

– Gosto de sentir os pés na terra e não são as asas que me vão tirar isso – disse, esboçando um sorriso e encaminhando-se para dentro de casa.

Haviam passado três anos, desde o início da sua amizade. Para comemorar, o Grande Panda trouxe um chá especial. Um chá com um sabor único, originário da terra natal do Jovem Dragão. Este nascera no longínquo Oriente, na conhecida Terra do Sol Nascente. Lá, as folhas verdes da planta do chá eram especialmente iluminadas pela suave luz do sol. Após as folhas serem colhidas, era necessário serem cuidadas durante três anos, para então difundirem na água quente os códigos da luz que haviam recebido. O bule de chá fumegava, enquanto o Grande Panda vertia o líquido cor de cobre para as duas chávenas.

– Quem diria que podias transformar-te numa águia! Não fazia ideia. – comentou o Jovem Dragão, relembrando a surpresa anterior.

– Nem eu – respondeu o Grande Panda com um sorriso, provando a temperatura do chá – Nunca tinha tido um motivo forte que me levasse a tentar, mas sei que neste mundo a imaginação e a força de vontade marcam o limite do que é possível fazer.

Deixou o Jovem Dragão bebericar o chá e, com gosto, apreciou a sua expressão de delícia e nostalgia. E continuou:

– Quando te vi pela primeira vez, senti em ti um brilho, tal como aquele que as histórias desta terra anunciavam que viria um dia. Outros Anciões que te conheceram sentiram o mesmo, e mostraram-me que não era só uma impressão minha – fez uma pausa para apreciar o chá e sentir os olhos curiosos do seu amigo postos nele antes de continuar.

– Assim, meu amigo Dragão, pensei e senti que te devo convidar à presença da Mãe Árvore, para que ela te possa abençoar e deixar que a sua sabedoria traga à luz a dádiva que trazes contigo.

O Jovem Dragão conhecia bem a Mãe Árvore, de tronco largo, alto e com ramos frondosos. Ficava ao norte da vila e à vista de todos, mas a comunicação com ela só acontecia através da Sacerdotisa, que morava num pequeno templo dentro do seu tronco. As suas raízes estendiam-se por muito longe e todos os recém-nascidos eram por ela abençoados como se fossem rebentos seus. Porém, a Sacerdotisa só aparecia na companhia dos Guardiães, como o Grande Panda, a quem guiavam os convidados à sua presença.   

– Ah! Adorava entrar no templo! E poder falar com a Mãe Árvore! Mas ela não abençoa só quem nasceu nesta terra? – entusiasmou-se o Jovem Dragão, ainda confuso sobre de que brilho estaria o Grande Panda a falar.

– Não nasceste. Mas aqui construíste o teu lar e a ele pertences– respondeu o amigo – por isso, ela irá ver qual a árvore que tens a crescer no teu coração e conceder-te-á a sua bênção.

Aconchegados pelo saboroso chá, encaminharam-se os dois, por fim, para o templo da grande Mãe Árvore. As longas raízes fora da terra e o tronco retorcido esculpiam as paredes e as portas do templo. Pequenos raios de sol esgueiravam-se por entre as folhas dos ramos na copa e caíam em volta, iluminando tudo em tons verdes. Entraram no grande átrio do pequeno templo e o Grande Panda pegou numa baqueta de madeira e bateu com ela num gongo dourado. O som ressoou um profundo OM de anunciação.  

Momentos depois apareceu uma ursa de pelo negro e manchas ruivas na cabeça e no dorso. Os seus olhos eram peculiares. Pareciam ser cegos, mas brilhavam como um céu estrelado. Era a Sacerdotisa que vivia no templo e que emprestava a sua voz à Mãe Árvore para ela se comunicar por palavras.  Olhou os convidados e fitou atentamente o olhar curioso do Jovem Dragão, que ainda apreciava com fascínio a beleza do lugar onde se encontrava. Os três permaneceram em silêncio, por uns instantes, e sem rodeios, a Ursa Sacerdotisa falou, proferindo as palavras doces da Mãe Árvore.

– Meu rebento crescido, que bom sentir o teu coração! Permite-me abençoar-te com o dom da árvore que cultivas dentro de ti… Aaah! Dentro de ti cresce uma esguia e alta palmeira! Coroada no topo por longas folhas que se abrem como uma flor. Que deliciosas tâmaras nela brotam… Huum! Que coração bondoso e paciente o teu!

Enquanto se expressava, a Ursa Sacerdotisa transparecia um ar forte e materno, tal qual a Mãe Árvore. Mas por um instante calou-se, com um ar de surpresa. Quando se voltou a pronunciar, as suas palavras vinham carregadas de uma alegria inesperada.

– Meu rebento! Vejo em ti as sementes dos antigos reis… Oh! Que visão formidável! Sobre ti brilha a luz da Estrela Régia! A estrela que tem apontado os reis desta terra e que há mais de 100 anos não se via!… Ó meu pequeno… Esta é uma bênção grande de mais para ser concedida neste momento. A Estrela Régia ilumina de maneira misteriosa, contudo é sempre sábia por onde irradia a sua luz. O seu brilho e a sua proteção irão acompanhar-te sempre e isso já é uma grande bênção, não só para ti, mas também na partilha que acontece com todos os que encontras no teu caminho. No entanto, e além disso, se aceitares que ela se expresse através de ti, um Rei serás nesta terra.

O Jovem Dragão estava surpreso. Sentia-se de algum modo contente, porque parecia ser algo bom, mas ao mesmo tempo pensativo, porque não compreendia o que lhe estava a ser dito.

– Obrigado, grande Mãe – disse por fim – Mas eu…  eu não entendo…  como posso ser Rei? Sou um forasteiro neste lugar e não tenho a sabedoria e o conhecimento necessários para governar. O Grande Panda é o Guardião do Equilíbrio e o mais sábio entre todos, porque não ele?

– Meu jovem rebento, não entendes bem a bênção que te está a ser mostrada. Um rei não é um governador.  Um rei é alguém que se qualificou para servir a todos, como parte de si e a si como parte de todos. Essa tremenda empatia mostra toda a sabedoria que um rei precisa. Não te está a ser oferecido um título, mas antes uma responsabilidade – fez uma pausa e continuou – Precisarás de tempo para interiorizar este destino e não o farás sozinho. Tens à tua frente um caminho de autoconhecimento, se o decidires percorrer. Agora vai. Encontra os cinco Formidáveis Mestres e permite que eles partilhem a sua sabedoria contigo.  Se aceitares este destino, voltarás a visitar-me daqui a doze luas.

Dito isto, a Ursa Sacerdotisa cerrou os olhos e o vento sacudiu os ramos da Mãe Árvore, transportando o seu aroma até às narinas do Jovem Dragão. Despedira-se, sem mais nada a dizer. A Sacerdotisa fez uma pequena vénia com a cabeça e também se recolheu.

Os dois amigos saíram em silêncio. Cá fora, o Jovem Dragão fixou os olhos no céu. Ficara pensativo e não sentia que fora abençoado. No seu corpo sentia pesar a responsabilidade que lhe tinha sido comunicada e o que ela representava. Era certo que ainda não compreendia o que tinha ouvido, embora  a informação o tivesse impactado.

Trocou olhares com o Grande Panda, que lhe ofereceu um amplo sorriso ternurento. E deu-lhe a mão. Não sentia vontade de sorrir, apesar de não estar triste. Sentia-se inseguro … sobre si e … sobre o que iria vir. Deixou-se levar pela mão quente do seu amigo que o convidou a voltar para casa, para beberem mais uma chávena de chá. E juntos fizeram o caminho de regresso.

Esta fábula é complementada com duas ilustrações de James Norbury. A ligação ao seu instagram é um convite a descobrir a sua sabedoria zen.